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Gabriela Martins | Hyndara Freitas

A crise migratória é tema quase diário nos noticiários nos últimos anos, muito em razão dos sírios, que têm deixado seu país por conta de conflitos internos, e tentam conseguir abrigo em países europeus. Mas, apesar do que os holofotes indicam, o problema não é exclusivo de um país e os refugiados não têm como destino somente a Europa. Como reflexo dessa onda migratória, o Brasil viu seu número de solicitações de refúgio aumentar consideravelmente em cinco anos.

“O verbo ‘fugir’ é o que melhor define o que é o refugiado. Ele busca viver em outro país, porque não pode continuar vivendo no seu Estado, no seu país de origem, porque lá ele é perseguido”, destaca Manuel Furriela, advogado e presidente da Comissão de Refugiados da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), de 2010 até o final de 2015, o número de solicitações de refúgio cresceu 2.668%, totalizando 28.670 pedidos. Até abril deste ano, foram reconhecidos 8.863 refugiados no País, ante 3.904 em 2010. As aprovações de solicitações também aumentaram nesse período: em 2010, 118 processos foram deferidos, depois houve um pico de 1.312 solicitações aceitas em 2014 e 532 em 2015.

Refugiado é...

Qualquer pessoa que deixa o país de sua nacionalidade por conta de conflitos armados ou perseguição religiosa, racial, por orientação sexual, grupo social ou opinião política.

No Brasil, o refúgio é regido por uma legislação específica. De acordo com a Lei Federal de nº 9.474, de 1997, para ser reconhecido como refugiado, o indivíduo precisa alegar perseguições por motivos políticos, religiosos ou sexuais ou violações constantes de direitos humanos em seu país de origem.

O advogado, professor de relações internacionais e ex-assessor Legal do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e da Cáritas Arquidiocesana, Carlos Abraão, avalia que a Lei é favorável aos refugiados: “É uma legislação bastante avançada, pois atribui proteção mais ampla que a própria Convenção de 1951 [convenção relativa aos direitos do refugiados], ao permitir que sejam reconhecidos como refugiados no Brasil as pessoas oriundas de países em ‘grave e generalizada violação de direitos humanos’. Além disso, instituiu órgão próprio para o julgamento dos casos (Conare) e permite, enquanto não há julgamento, que o solicitante tenha provisoriamente documentos que o habilitem a trabalhar e ter os demais direitos da vida cotidiana no Brasil”.

Mesmo que o Brasil seja um dos poucos países do mundo com uma legislação específica para refúgio, e que tenha feito acordos recentemente para receber mais refugiados sírios do que muitos países europeus (com exceção da Turquia) a vida de um refugiado por aqui está longe de ser fácil. A começar pela procura por emprego.

O senso comum faz parecer que os refugiados não têm preparação profissional alguma e que vêm para cá para ‘roubar os empregos dos brasileiros’. A falácia não tem fundamento, pois os refugiados que aqui chegam têm perfis variados: há desde médicos, advogados e engenheiros até estudantes, professores, cozinheiros e comerciantes.

Ainda assim, o ensino superior raramente é uma garantia de melhores condições. Isso porque a validação do diploma no Brasil é um processo que faz de tudo para que os refugiados desistam de validá-lo: exige documentos demais e possui um custo altíssimo. Felizmente, em maio deste ano, o Ministério da Educação aprovou uma resolução que facilita esse processo, por meio da realização de provas de conhecimentos e habilidades relativas ao curso para refugiados que não tenham os documentos exigidos.

E não é apenas na formação acadêmica que os refugiados se diferem. De acordo com o Conare, de 2010 a 2015, a maioria deles, 42,6%, tem entre 18 e 29 anos. Além disso, 71% dos refugiados reconhecidos são homens e 28,2%, mulheres. No mundo, o número de mulheres e crianças em posição de refúgio é cerca de 71%, segundo o ACNUR.

A diferença entre os dados de refugiadas no Brasil e no mundo existe principalmente por conta da distância. Isso porque a maior parte das pessoas que buscam refúgio atualmente vem da Síria e estes preferem ir para países mais próximos do local de origem, como os da Ásia e da Europa. Assim, apenas alguns vão para locais mais longínquos, como a América do Sul. Como é uma longa viagem que, geralmente, é realizada de avião, primeiro os maridos vêm para, depois, trazerem as mulheres. Já na Europa, isso ocorre de maneira diferente: como a travessia é feita, muitas vezes, a pé, a família toda vai junta pois demanda menos investimentos financeiros, ainda que exija coiotes.

“Geralmente o homem possui condições mais favoráveis para sair de seu país. Ele vem com a missão de se estabilizar financeiramente e depois trazer a esposa e os filhos. Mas claro, os perfis são variáveis, não podemos definir esse perfil como padrão. Até porque no começo deste ano ocorreu um fluxo maior de mulheres”, afirma Maria Cristina Morelli, coordenadora do Centro de Referência para Refugiados da Cáritas Arquidiocesana de São Paulo. Se o título de refugiado já carrega diversas cicatrizes e rejeição, quando se trata de uma mulher nessa posição, os entraves aumentam. Elas acabam sofrendo violações e abusos com mais frequência em seu país de origem, durante o deslocamento e ao chegar no país de destino.

A assistente social da Casa do Migrante da Missão Paz de São Paulo, Márcia Araújo, fala sobre alguns dos fatores agravantes: “Em muitos países da África, por exemplo, há uma cultura de que a mulher é como se fosse um objeto às vezes. Existem acordos que são feitos em que a mulher é uma moeda de troca. É muito forte. E violação sexual para conseguir chegar até aqui é gigantesca, a exploração sexual  é fortíssima. E, depois que elas chegam aqui, estão confusas, às vezes, algumas chegam até a procurar por essa situação de trabalho, porque foi o que elas conheceram até agora. E tem muitos casos de mulheres muito deprimidas, muito tristes, sem apreço pela vida, porque perderam muita coisa. É muito dolorido. Além da saída do país de origem, que já é um sofrimento indescritível, ainda tem essa ruptura, a violação da figura da mulher”.

Segundo relatório publicado no site da ACNUR em janeiro deste ano, mulheres e meninas que se deslocavam pela Europa enfrentavam “graves riscos de violência sexual e de gênero” e representavam “o grupo mais vulnerável e que necessitam de medidas adicionais de proteção”. E, ao chegar no país em que vai se estabelecer, as coisas podem não ser melhores, pois a mulher fica sob as leis e a cultura desse local, muitas vezes marcadas pela misoginia e pela desigualdade de direitos entre os gêneros.

Além disso, ela é, na maior parte do tempo, a principal responsável pelo cuidado dos filhos, ou seja, se a primeira preocupação da estrangeira seria procurar um emprego para se reerguer, passa a ser secundária, pois há necessidade de conseguir cuidados para os filhos antes de sair para buscar uma colocação no mercado de trabalho.

Ademais, ainda há a necessidade de lidar com uma cultura completamente diferente, que inclui modos de se portar, alimentação, vestimenta e até uma língua completamente diferente.  

"Toda mulher vai ter dificuldade de entrar nessa sociedade. As coisas vão se dando naturalmente, aos poucos. Algumas têm um perfil mais proativo, mais dinâmico, outras, pelo contrário. E existem também aquelas que deprimem no primeiro momento, o sofrimento é grande. Elas não têm amigas, aquela pessoa com quem ela desabafava", explica a assistente social.

Por essa razão, o ACNUR desenvolveu um relatório com cinco compromissos específicos para mulheres nessa situação, que incluem a oferta de registro e documentação individual adequada; promoção da participação ativa de mulheres refugiadas em funções representativas, nos campos de refugiados; a criação de estratégias para combater a violência sexual e de gênero; garantia de participação feminina na distribuição de produtos – sejam eles alimentícios ou  não – e o fornecimento de assistência sanitária.

Outra dificuldade enfrentada no País, é a necessidade de lidar e aprender uma nova cultura, completamente diferente. Sobre a inserção cultural das pessoas em situação de refúgio na sociedade, Padre Paolo Parise, responsável pela Missão Paz, instituição da ordem slabrianiana da Igreja Católica, que trabalha com acolhida de refugiados em diversos países do mundo, afirma que há poucos esforços no Brasil, para a realização efetiva. “Tem o método que estão utilizando, que acredito ser uma agressão, em que o imigrante tem que mudar a sua identidade para se integrar, porque ele perde a sua cultura, a sua identidade. Outro modelo que é melhor, mas ainda não é ideal, é o multiculturalismo. Por exemplo, no Canadá e em outros lugares, tolera-se as diferenças, mas não há um encontro, um diálogo, um do lado do outro. E também, atualmente o modelo interculturalismo, que há uma troca, a população vai ao encontro e o migrante também vai ao encontro e acontece uma troca, um enriquecimento recíproco, não tem isso no Brasil”, afirma.

Mundo

65,3 milhões. De acordo com dados da ONU, divulgados em junho de 2016, esse é o número de pessoas deslocadas por conta de conflitos e perseguições. Desses, 21,3 milhões deixaram seus países de origem e levam o título de refugiados. Os outros 40,8 milhões são conhecidos como deslocados internos, ou seja, migraram para outras áreas dentro da própria nacionalidade.

Brasil

De acordo com uma matéria do site da revista Carta Capital, o Brasil é o país que mais recebe refugiados na América Latina e acolhe mais imigrantes sírios que os países que fazem parte da rota europeia do refúgio – que inclui Grécia, Espanha e Portugal, segundo dados de 2015 do ACNUR.

São 79 nacionalidades reconhecidas no País, sendo Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100), República Democrática do Congo (968) e Palestina (376) as maiores participantes desse grupo. No entanto, para conquistar o abrigo no Brasil, é preciso passar por um caminho nada fácil, a começar pela saída do país de origem.

De acordo com Márcia, a maioria das mulheres que chegam na Casa do Migrante vem de transporte aéreo: "Avião, barco, ônibus. O mais comum é avião, o mais perigoso é barco. Aí tem muita coisa envolvida, inclusive violação feminina". Ao chegar em terras tupiniquins, as coisas não melhoram: é preciso ir atrás do visto de refugiado, processo burocrático que pode durar até dois anos.

O primeiro passo é marcar uma entrevista – que de acordo com Márcia, tem tempo de espera de aproximadamente um mês – na Polícia Federal, para fazer a requisição de um Termo de Declaração, no qual, além dos dados pessoais do solicitante, como sua qualificação civil e a existência ou não de cônjuge e descendentes, constam os motivos pelos quais o refúgio é solicitado e a conjuntura da entrada do solicitante no Brasil. Este termo servirá de documentação para o refugiado até a emissão de um Protocolo Provisório, pelo governo brasileiro. O protocolo, por sua vez, serve como documentação legal até sua solicitação seja deferida ou não, e permite a expedição de Carteira de Trabalho e Previdência Social (CPTS) provisória.

Conforme dados do Conare, de agosto de 2015, as maiores causas de solicitação de refúgio no Brasil são violação grave de direitos humanos (51,13%) e perseguição política (22,5%). E os motivos que levam a escolha pelo Brasil são diversos, desde a língua até a crença de que é um local com grande oportunidade de emprego. Recentemente, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 contribuíram para a criação dessa imagem. "O Brasil é visto fora, através da mídia, como um País de bom desenvolvimento, de trabalho, e nesses últimos quatro anos nós tivemos eventos que chamaram a atenção de trabalho, principalmente na construção civil", diz Márcia.

Mas com a crise econômica que afeta o Brasil e que vem se agravando desde 2015, essa impressão tem mudado. Nas primeiras semanas no País, os refugiados já percebem que trabalhos que antes eram fáceis de ser ocupados por eles, agora são ocupados por brasileiros, e, ainda assim, com dificuldade.

Os números de pedidos de refúgio expostos no gráfico acima representam os pedidos por ano, enquanto o gráfico de refugiados reconhecidos mostra o total acumulado até o ano citado. Segundo o Conare, os 3.904 refugiados reconhecidos em 2010 "trata-se do numero total de refugiados reconhecidos, acumulados, desde o início do órgão que regulamenta o refúgio no País". 

No terceiro gráfico, é possível perceber que as solicitações pendentes de julgamento no Conare tiveram uma quada drástica de 2014 para 2015. Esse fato é explicado pelo Conare apenas como uma transferência para outros órgãos: "O quantitativo foi reduzido tendo em vista que diversas solicitações de refúgio não eram casos de refúgio. Dessa forma, tais processos foram encaminhados ao órgão de registro competente", explicou o Comitê via assessoria de imprensa. Entretanto, o órgão não especificou quais os tipos de processos e nem revelou o órgão a qual foram direcionados. 

Confira no podcast abaixo um pouco mais sobre quem são os refugiados e como é realizada a inserção dessas pessoas na sociedade. 

São Paulo

Julia Barcat

Para o refugiado, não é tarefa fácil se integrar ao cotidiano e costumes de um País completamente diferente do seu, como o Brasil. Para facilitar nesta integração e adaptação, existem casas de acolhida que recebem estes refugiados, tanto os solicitantes do visto de refúgio, como aqueles que já o possuem, e que prestam todo apoio necessário, desde os trâmites para se providenciar a documentação, uma moradia, até em possibilitar a convivência com outras pessoas da cidade. Em São Paulo, existem duas grandes casas de acolhida e que são referência de atendimento, entre as casas de acolhida, na cidade e para os refugiados: o Centro de Referência da Cáritas Arquidiocesana e a Casa do Migrante.

 

Cáritas Arquidioecesana

O Centro de Acolhida a Refugiados da Cáritas foi fundado com a missão de ser um braço da Igreja Arquidiocesana de São Paulo e ter programas de atuação nas áreas de emergências naturais e sociais, através do domínio e aplicação de ações e programas do Estado que estabelecem a ordem social e assegura os direitos humanos, que são capacitações, campanhas de arrecadação de alimentos e roupas e o Centro de Referência para Refugiados. Segundo Maria Cristina Morelli, coordenadora do Centro de Referência para Refugiados da Cáritas, são prestados os seguintes serviços neste centro:

Assistência, no qual o refugiado é encaminhado para as Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde são atendidos com habilidade pelos profissionais que estão acostumados em receber estrangeiros. Além disso, nesta área, a Cáritas procura formar uma rede de conscientização sobre o refúgio, entrando em contato com diversos centros e unidades de saúde da cidade.

Paralelamente a este encaminhamento para as UBSs, é feita a busca de vagas em albergues parceiros da Cáritas, a fim de providenciar a primeira moradia ao refugiado. Fazem visitas domiciliares, identificam e seguem os casos de menores desacompanhados e dão especial atenção nas diversas situações de vulnerabilidade em que as mulheres chegam a São Paulo, como grávidas em desamparo ou vítimas de violência doméstica. A partir desta informação, é feito o encaminhamento e atendimento nos órgãos especializados, públicos e privados.

Integração, que auxilia o refugiado em todo o processo de comunicação com os órgãos necessários para a obtenção de documentos que os regularizam como refugiados e permitem a emissão de documento de identidade e carteira de trabalho e comunicação com a população local. Ajuda na elaboração de currículos e no encaminhamento para vagas de trabalho e, além de fazer este trabalho direto com os estrangeiros, também desenvolve campanhas de conscientização junto às empresas, sobre a questão do refúgio e dos direitos dos refugiados. Aqueles que chegam são encaminhados para ter aulas de português e receber orientações sobre a documentação necessária para sua regularização na cidade e quais são seus direitos trabalhistas. Auxilia na orientação para inclusão de crianças, adolescentes e jovens no ensino, seja na escola, universidade, cursos profissionalizantes e Educação para Jovens e Adultos (EJA).

 

Quando o refugiado possui um diploma universitário em seu país de origem, auxilia na revalidação deste e possibilita o atendimento dos solicitantes de refúgio e refugiados, no Programa de Apoio para a Recolocação dos Refugiados (PARR), que auxilia neste momento de recolocação profissional no mercado de trabalho.

Proteção, que atua na proteção dos direitos dos solicitantes de refúgio e refugiados no Brasil. Uma das principais ações do serviço de proteção, no Centro de Referência da Cáritas, é o acompanhamento de todo o processo de solicitação de refúgio. Aqui, a Cáritas atua como membro suplente do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão que recebe e determina as condições para o imigrante ser considerado refugiado ou não, possibilitando que os refugiados tenham acesso a seus direitos. No Centro de Referência, o atendimento é feito individualmente, para orientar sobre as questões relacionadas a todo e qualquer direito do indivíduo no Brasil.

"O que fazemos quando a pessoa chega e não tem um lugar para ficar é procurar um abrigo público ou privado, entre nossos parceiros, para que ela possa obter uma vaga"

Além deste trabalho, o serviço de proteção envolve diversas entidades públicas e da sociedade civil para promover a troca de experiências, o trabalho conjunto e a ampliação da sensibilização sobre o tema. Esta conscientização é feita através da capacitação de órgãos públicos, visitas e encontros com as comunidades de refugiados, para levantar as demandas relacionadas a acessos e direitos.

Saúde Mental, é o atendimento feito às pessoas que apresentam interesse em ter um acompanhamento para se integrarem à sociedade brasileira. Aqui, diferentemente da integração, que também permite este contato com a sociedade, é feito um acompanhamento psicológico em grupo, individualmente ou com todos os membros de uma família, e fazendo os encaminhamentos e acompanhamentos para tratamentos psiquiátricos, conforme necessário. Além deste suporte, atua sensibilizando a sociedade civil sobre as diferenças culturais e seus respectivos comportamentos.

 

Maria Cristina Morelli deixa claro que não são um abrigo, fazem apenas este trabalho de acolhida e encaminhamento: “O que fazemos quando a pessoa chega e não tem um lugar para ficar é procurar um abrigo público ou privado, entre nossos parceiros, para que ela possa obter uma vaga”.

"no caso das mulheres, há casos de violência sexual, agressões, tortura. muitas viram filhos e maridos serem mortos"

A Cáritas é sustentada financeiramente pela Arquidiocese de São Paulo, através do convênio com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) e convênios isolados com o Ministério da Justiça. E atende, em São Paulo, diariamente uma média de 110 pessoas, considerando que 20 destas são  recém-chegadas. Segundo a coordenadora do Centro de Referência, o “último relatório de 2015 contabilizou mais de 15 mil cadastros no ano (pessoas que, de alguma forma, já passaram por aqui)”.

Umas das facilidades para a Cáritas executar seu trabalho, após tantos anos de prestação de serviço, é o fato de ser uma referência e, por isto, ser indicado por órgãos públicos e organizações de direitos humanos. E, nos últimos 5 anos, o centro tem “observado que os próprios refugiados indicam a Cáritas a familiares e amigos, pois a consideram uma organização séria e que lhes presta informações precisas sobre como solicitar refúgio, onde conseguir albergamento, atendimento de saúde, aulas de português, buscar trabalho, entre outras necessidades”.

Para fazer todo este trabalho de atendimento com os refugiados, a Cáritas conta, no Centro de Referência para Refugiados, com advogados, assistentes sociais, internacionalistas, psiquiatras, cientistas sociais, jornalistas, administradores de empresa, entre outras pessoas qualificadas e especializadas no atendimento a estrangeiros na situação de refúgio. No trabalho como um todo, o atendimento é o mesmo, tanto para mulheres como para homens refugiados, porém, segundo Maria Cristina, “o que há de específico é a identificação de casos de extrema vulnerabilidade, no fato de algumas mulheres chegarem grávidas e com filhos. Neste caso, é necessário encaminhar a pessoa a abrigos que recebem somente mulheres, indicar serviços de saúde para o acompanhamento da gravidez e, nos casos mais sensíveis, conseguimos dar uma pequena ajuda financeira durante alguns meses. Há sempre iniciativas e apoio ao empoderamento das mulheres”.

Além disso, explica que a minoria dos refugiados é formada por mulheres, pois os homens têm condições favoráveis para saírem de seus países, com a intenção de se estabilizar financeiramente e trazer sua família, esposa e filhos, para o novo país. Porém, apesar deste dado, tivemos no início do ano um aumento significativo de mulheres refugiadas no Brasil.

“Recebemos pessoas que sofreram violações de direitos humanos ou ameaças de violações. São perseguições, violências variadas e guerras que fazem com que elas deixem seus países. Mas no caso das mulheres, há casos de violência sexual, agressões, tortura e pessoas que viram filhos e maridos serem mortos”, explica Maria Cristina.

Casa do Migrante

A Casa do Migrante da Missão Paz, diferentemente da Cáritas, oferece moradia aos refugiados por um período, enquanto eles não se estabelecem e providenciam uma moradia. Presta serviços, portanto, de alojamento, onde os refugiados se alimentam, têm espaço para lavarem suas roupas, podem carregar os seus celulares, com quartos e espaços comuns para convivência. E, a partir do momento que possuem suas casas, a Missão Paz faz acompanhamento através de visitas, não apenas em casas próprias, sejam alugadas ou não, mas também em ocupações.


Além disso, prestam serviços de atendimento médico, assistência social e apoio de encaminhamento para a aquisição dos documentos necessários para a regularização do refugiado no País. Possuem aulas de português, palestras semanais interculturais, onde os estrangeiros conhecem uma parte da cultura brasileira e os seus direitos, e são encaminhados para cursos profissionalizantes.


Neste processo de acolhida, também através do abrigo, a Casa recebe em média 110 pessoas por noite, que ficam, aproximadamente, dois meses abrigados na Missão Paz. Segundo Márcia Lourdes de Araújo, assistente social da Missão Paz, nos últimos quatro anos, o número de mulheres que vêm para o Brasil é maior do que antes”.

A Missão Paz faz, não só este trabalho direto com os refugiados, mas também possui um projeto com crianças de um semi-internato, uma biblioteca de migração aberta ao público, uma revista especializada no tema, chamada Revista Travessia, além de campanhas de sensibilização, com viés político.

Um grande destaque no trabalho realizado pela Casa é o encaminhamento dos refugiados para o mercado de trabalho. Em média, 200 pessoas por mês a procuram com este objetivo e, dessas, 50 conseguem emprego. Em 2015, a média era quatro vezes maior, ou seja, de 200 empregados por mês. Esta redução de 75% na empregabilidade é resultado da crise econômica e do aumento do desemprego na população em geral, o que afetou fortemente as possibilidades para os refugiados.

A Casa

do Migrante recebe, em média, 110 pessoas

por noite

É um processo muito complicado, uma mulher imigrar sozinha com seus filhos, para se estabelecer em um outro país, com língua e cultura totalmente diferentes da sua. Não só em termos práticos, mas, principalmente, psicológicos. Portanto, quando vêm acompanhadas de seus maridos, este conforto de não estar sozinha facilita o processo de adaptação. “Então fortalece muito, ela adoece menos, porque quanto mais sofrimento psíquico, a probabilidade de ter mais questões físicas vai ser maior ”, explica Márcia.

Sendo assim, a postura da mulher que chega acompanhada é diferente daquela que chega sozinha, porque ela permanece seguindo uma conduta de sua própria cultura. Quando elas chegam sozinhas, a necessidade de sobrevivência fala mais alto. Dependendo da idade, a primeira preocupação é conseguir um emprego, para o seu sustento e o de seus filhos. As que vêm acompanhadas, permanecem fazendo os serviços de ajuda comunitária na Casa, que são solicitados a todos os abrigados, como lavar louças, por exemplo, enquanto o marido vai à rua em busca do sustento.

Para elas, é mais confortável, em todos sentidos, quando podem manter sua cultura, mesmo que, em algum momento, seja necessário que elas se adaptem aos costumes brasileiros, para poderem se integrar à população local. Por exemplo, as mulheres sírias, que em sua cultura não podem trabalhar, quando chegam acompanhadas, o próprio marido impede que elas busquem um emprego. Porém, com o tempo, elas passam a se adaptar à nova realidade cultural como, por exemplo, mudando seu jeito de se vestir, deixando de usar as saias e começam a vestir calças jeans.

mensalmente, Cerca de 200 pessoas vão até a Missão Paz à procura de emprego. dessas, apenas 50 conseguem vagas 

Quando são mais jovens, as mulheres vêm em busca apenas de uma vida e liberdade que não podem ter em seus países de origem, às vezes de um namorado, pois de onde elas vêm não possui o incentivo para que com 16 anos passem a pensar no que querem para vida, que podem votar, procurar emprego, estudar, como acontece com as jovens brasileiras. Já as mulheres mais velhas, vão buscar um emprego, se firmarem no país. Este é mais um trabalho feito pela Missão Paz, de mostrar para as mulheres, quais são as prioridade que devem ter em suas vidas ao chegarem ao Brasil, de acordo com seus perfis e idades,. E, além do perfil de cada uma, elas também se diferenciam muito por suas nacionalidades. Por exemplo, para as latinas é mais fácil conseguir emprego por conta da comunicação, o que para as congolesas, que não falam português, é um caminho mais árduo.

Mesmo com estas facilidades de comunicação, seja por conta de sua nacionalidade ou dos cursos de português disponibilizados no Brasil, as mulheres ainda têm dificuldades pra conseguirem emprego. Tanto pela situação econômica do país, mas também pelo nível de escolaridade que possuem.

Normalmente, as mulheres da África possuem no mínimo o 2º grau completo. Da Angola, possuem uma escolaridade um pouco mais baixa, até o 1º grau completo, pois a sua cultura não valoriza muito o estudo para as mulheres. Segundo Márcia, o perfil “é muito variado. Vem desde aquela que não é alfabetizada até aquela que tem um curso universitário, uma pós graduação e até pessoas com mestrado”. Mesmo nestes casos, é muito complicado para que os refugiados consigam o reconhecimento de seus diplomas no Brasil, já que o processo é muito complexo, depende de documentações e, muitas vezes, ter contatos no meio que possam indicar e acelerar este processo.

Elas já sofrem, por causa da cultura brasileira, de um preconceito natural que, acrescido ao fato de serem refugiadas, dificulta ainda mais a sua adaptação e vivência no país. Segundo a assistente social da Missão Paz, não apenas por serem refugiadas, mas pela condição feminina, sempre existe este preconceito. “A figura da mulher ela vem naturalmente como a figura que suporta a maternidade, que doa o seu próprio corpo para uma outra vida. Então isso é da natureza humana, a figura da mulher. Não é um feminismo, um preconceito, não.. naturalmente é isso. E ai que isso é utilizado das mais diversas formas, das inúmeras visões sócio politicas, religiosas”, explica.

Visões do Brasil

Segundo Maria Cristina, da Cáritas, para se falar em melhorias, é importante refletirmos sobre uma série de políticas públicas, como a necessidade de mais creches na cidade, o que afetaria não apenas os refugiados, mas, também, os brasileiros; atendentes que falem outros idiomas em órgãos públicos ou meios que agilizem o processo de integração, como uma documentação que dê acesso à vida cultural da cidade. “O Brasil tem cumprido o seu papel em relação ao mundo, no entanto, sempre há melhorias sociais que não podem deixar de ser observadas. O que não podemos é retroceder políticas sociais importantes. Diversificar algumas abordagens abre caminho para novos olhares e percepções”.

Padre Paolo Parise, da Missão Paz, dividiu estas necessidades de mudanças em quatro níveis. O primeiro é a legislação, já que, para ele, o país possui uma péssima lei. “Estamos com política migratória que teve avanços porque tivemos pessoas que ocuparam cargos no Ministério da Justiça e do Trabalho que tinham uma certa acessibilidade e isso ajudou nos avanços, mas isso também é muito frágil, porque está ligado a pessoas, se muda a pessoa pode mudar toda a política”; o segundo nível é a população, “em geral há uma parte silenciosa que ajuda, que recebe os migrantes e há uma parte racista que se faz perceber, se manifesta nas redes sociais, que acha que há muito migrante no Brasil, isso não tem nada a ver, porque tem muito pouco em relação ao tamanho da população”; o nível da mídia, que muitas vezes passa informações erradas e, com títulos sensacionalistas, “que dá uma ideia de um crescimento monstruoso de muitos migrantes” e o nível da estrutura, onde ele vê avanços, como a abertura de três casas para migrantes e a criação de uma subsecretaria, que trata do tema dentro da Secretaria dos Direitos Humanos. Mas para ele, o que falta é uma política de moradia para os migrantes que dê aos refugiados, quando saem das casas de acolhida, um mínimo de ajuda, de orientação e apoio.

São Paulo
Podcast - A inserção dos refugiados na sociedade
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2016 por Gabriela Martins, Hyndara Freitas, Iara Monteiro, Julia Barcat, Sabrina Garcia e Tabatha Benjamin

Universidade Anhembi Morumbi

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